O flagra do Cardoso

Ninguém gosta de falar que faz cocô. Porém, todos fazemos. Eu, você, o Neymar, todas as nossas professoras de Matemática e também a tia da limpeza. Você pode até não querer imaginar, mas até mesmo George Clooney e tiozinho que interpreta o Seu Chalita na série Tapas & Beijos, todos vão aos pés.
Olhe bem, "ir aos pés". Inventamos expressões no intuito de mascararmos uma simplória necessidade fisiológica e a transformamos em tabu na sociedade atual. O cara fala em fazer merda, que tal coisa está uma bosta, porém tudo metaforicamente, apenas descrevendo situações nada graciosas. No entanto, quando o intestino "véio" chama na cincha, aí vem o tal de "número dois", ou um simples "vou ao banheiro". É pura hipocrisia.
Devo confessar que eu mesmo, até este momento, jamais abriria minha caixa de texto para escrever sobre o ato de defecar. Mas, a vida é assim, tenho um compromisso em relatar o que de curioso acontece comigo e, porca miséria, em breve relatarei uma situação nada confortável que me compeliu a trazer a público este assunto fecal.
Antes, porém, reflitamos sobre esta barreira criada em torno do danado do cocô. É claro que corro o risco de você, leitor pudico e asseado, não querer refletir porcaria nenhuma sobre nossas fezes, e por isso ater-me-ei apenas às minhas experiências de vida no que tange ao indigesto tema.
Não sei precisar com exatidão o dia em que fui ao banheiro sozinho pela primeira vez (para fazer o número dois, obviamente, e a partir daqui trataremos disso de maneira implícita). Ao contrário, a infância sempre nos remete ao lugar-comum do "manhê, me limpa", atitude esta que eleva as mães ao mais alto gabarito do amor humano, porque ninguém merece ter que limpar um traseiro sujo que não seja o seu próprio.
Minhas lembranças, no entanto, são vívidas em relação à minha família. Meu pai, por exemplo, tinha o hábito pitoresco de andar nu pela casa. Aquilo me causava calafrios de vergonha, mas ele não estava nem aí. Vinha até a cozinha, acendia um cigarro (naquela época se fumava dentro de casa, tempos nada saudáveis), as partes balangando ao vento e um naturismo admirável. Outrossim, costumava deixar a porta do banheiro aberta enquanto relaxava no troninho. Era estranho, muito estranho.
Já com meus avôs a situação era antagônica. O falecido vô Gentil, por sinal, usava aquele que na minha opinião é o substantivo que melhor descreve o bagualismo do ato em si. Certa vez, minha avó conversava com ele insistentemente enquanto a porta do banheiro estava fechada, sem saber que lá dentro ele vivia seu momento intestinal do dia. Lá pelas tantas, percebendo que o falatório não cessaria tão cedo, obrigou-se a assumir:

- Dilma, eu estou na patente!

Ora, quem consegue a concentração necessária diante de uma distração externa? Meu avô materno, João Maria, que o diga. Até hoje, seus hábitos fisiológicos são um tanto rudimentares. Bem, ele prefere a natureza. Para quem não sabe, é o popular "cagar no mato". Queria evitar o uso dessa palavra, mas a força de expressão exigiu.
Pois é, mas a verdade é essa. E eu, que desde pequeno aprendi a usar a patente, achava aquela situação do meu avô bastante intrigante. A curiosidade era tanta que, em dado momento traquinas da minha infância, decidi que descobriria quais eram os procedimentos adotados por ele na macega. Sim, passei a segui-lo, para seu desassossego total. Pensem num homem envergonhado! O vô não era de ralhar comigo, mas naquelas horas não havia maneira doce de me afastar. E eu, ao invés de deixá-lo em paz, caía na gaitada e ria descontroladamente, o que fazia com que ele desistisse e esperasse um momento de distração meu para enfim conseguir evacuar ao som dos passarinhos. Devo, inclusive, ter sido o responsável por alguma constipação indesejada do coitado.
Ainda assim, a insistência foi tanta que um dia consegui. Sorrateiro como um felino, esgueirei meu corpo franzino por entre os arbustos e contemplei aquele momento relax do meu avô. Foram poucos segundos, pois ele acabou me enxergando, ao que vestiu a bombacha em velocidade recorde enquanto bradava toda a sorte de impropérios e, mais uma vez, precisou adiar o seu número dois em liberdade.
Só que, é como dizem: Deus não mata, mas achata. Anos depois, a vida trouxe o troco com juros e correção monetária. Certo dia, estava eu bem belo e faceiro sentado no vaso da casa de meus avós paternos, quando o inesperado aconteceu. O vô Gentil passara por uma cirurgia na próstata que lhe deixou alguns dias com extrema incontinência urinária, o que significa dizer que quando a bexiga dava o sinal era aquele corre-corre para o banheiro a fim de fazer xixi (e observem aqui como a urina é tratada com naturalidade, caracterizando uma verdadeira antítese em relação ao cocô).
Dei o azar disso ocorrer justamente enquanto eu estava na privada com as calças arriadas lá nos calcanhares. Ouvi os passos apressados do vô que, ao girar a maçaneta e perceber a porta trancada, desandou a esmurrá-la e berrar para que eu abrisse, acompanhado da tradicional frase "estou me mijando", outra dita com ímpar finesse se comparada à segunda via. Não tive escolha e, humilhado, saltei para abrir a porta sem nem mesmo fazer uso do papel higiênico em respeito aos cabelos brancos do velho Gentil.
É bem verdade que meu avô foi um lorde no que diz respeito à agilidade. Entrou, fez o que tinha que fazer, deu meia volta e saiu. Entretanto, não foi o suficiente para evitar meu constrangimento em ter de ficar espremido atrás da porta com os olhos apertados, uma vez que não tive tempo sequer de dar a descarga.
Até aqui, tudo está relatado em âmbito familiar. Percebam, no entanto, que todo este contexto criado por mim em torno do cocô nada teve a ver com o título da postagem, o que significa dizer que o verdadeiro motivo da conversa vem a seguir.
Particularmente, não tenho muita frescura com patentes. Algumas pessoas só conseguem que seu intestino funcione no recôndito de seus lares, o que é um problemão, ainda mais se pensarmos em longas estadias em casas de amigos e parentes. Ou era, uma vez que agora já existe o tal de Activia, né. No meu caso, contudo, qualquer banheiro é propício. Se a higiene do local não for apropriada, forro com papel higiênico e estamos conversados.
É claro que estando em casa a situação muda de figura, pois aí sempre tem uma revistinha amiga, uma palavra cruzada pra distrair e talicoisa. Mas, como meu intestino não funciona com reloginho de propaganda, em diversas situações sou obrigado a usar outros banheiros. O da faculdade por exemplo.
Por lá também desenvolvi minhas preferências. Há um banheiro para deficientes que é espaçoso e bastante aconchegante para se evacuar em paz. Por sinal, não sou o único que pensa assim. O professor Cardoso partilha da mesma opinião, é o que tenho observado. Como frequentador assíduo daquele toalete, já cruzei com ele em diversas oportunidades, sempre um entrando e o outro saindo. A única diferença é que o catedrático possui uma flora intestinal mais obediente que a minha, já que seus horários seguem uma conformidade. Todos os dias, após o almoço, pita um cigarro e vai aos pés.
Ontem, porém, cheguei primeiro ao recinto. Fechei a porta, não sem experimentar um certo desconforto por não conseguir trancar a fechadura. Não há chave naquele banheiro. Parecia até que estava prevendo o que aconteceria a seguir. Em certo momento, meus pensamentos atingiram o nível de concentração suficiente para a fisiologia funcionar e ali permaneci absorto em meus devaneios enquanto realizava o serviço.
De repente, um barulho na porta interrompeu minha reflexão. Torci com todas as forças para que não fosse quem eu estava pensando. Não, não podia ser o professor, implorei em silêncio por isso. Por via das dúvidas, comecei a assoviar uma marca para sinalizar que a patente estava ocupada, mas foi tarde demais. A maçaneta do banheiro mexeu de supetão e fui pego em flagrante pelo Cardoso naquela posição que deixa o sujeito sem outra reação que não seja um olhar piedoso de "sim, eu estou aqui, feche a porta e não volte nunca mais". O mestre, por sua vez, ficou ainda mais desconcertado. Disse apenas duas palavras furtivas:

- Opa! Desculpe! - ao que fechou a porta apressadamente, girou nos calcanhares e saiu inclusive do banheiro.

Quando percebi que o professor sequer optara pelo banheiro vizinho, desandei a rir sem parar. Não sei se de nervoso, ou mesmo porque a situação foi de uma comicidade absurda, mas o fato é que achei muito engraçado a cara de espanto do Cardoso. Aposto que de hoje em diante ele baterá na porta a cada vez que for usar o toalete. Já eu, juro por tudo que é mais sagrado que nunca mais vou aos pés num banheiro cuja porta não tranque, que esse negócio de escrever sobre cocô é... uma merda.



5 comentários:

  1. Meu Deus, Ton! Vi você divulgando o texto e vim curiar, com um sono danado. Apesar do título ser chamativo, a foto do gato então nem se fale, vi o tamanho do texto e pensei: "poxa, morrendo de sono assim, será que consigo?". Porém, comecei a ler e desandei a rir. O sono até passou.

    Bom demais da conta.
    Aliás, que situação, hein!? hahaha

    Beijo! ;*

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  2. Ri demais! hehehe
    Quando comecei a ler, até pensei que tu fosse contar a respeito de uma ida à lan house em Perequê... hehehhe

    Abraço!

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  3. Antônio, esse texto foi o ápice da intimidade relatada com humor. Que situação amigo! hahahahah

    Cara, que comentar num texto como esse?

    Que merda, Batman!

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  4. Antônio, que texto! Quanto mais lia, mais ria, e mais queria. kkkkkkk...
    Só você pra abordar de tal maneira. Demais!

    E todo mundo deve ler e pensar nas suas histórias. Hahahahaha. Porque TODO MUNDO tem alguma história com seu cocô.

    Hahaha.
    Beijo.

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  5. Eu acho que você conseguiu por em palavras um assunto que gera muito constrangimento de uma forma tão cheia de humor que tornou o texto gostoso de ler, mesmo o assunto do mesmo não sendo não sendo muito agradavel. Até mais. http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

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