O Manancial e o Televisor

Acabo de chegar de uma festa. É cedo, se comparado à hora que sempre volto das comemorações que fazemos no time. Meia-noite, cedíssimo. Mas, lhes confesso, eu não tinha o que fazer por lá.
Contei algumas piadas, fiz brincadeiras, abri meu leque de imitações fajutas, cantei algumas modas, li a homenagem que me pediram para escrever pro presidente do time. Perdi a conta de quantos elogios e cumprimentos recebi. A cerveja estava gelada e apetitosa. A carne, então, nem se fala, desmanchava na boca.
Mas, tenho que confessar, olhei para todos os lados e não vi sentido nenhum naquilo tudo. Não queria me sentir assim, não mesmo. Queria virar a noite cantando músicas sertanejas, voltar para casa ao clarear do dia, queria, sim, agir exatamente de acordo com o que toda a galera esperava de mim. Não pude, tive que sair. A dor que pulsa aqui é tão grande, que está me tirando as vontades, todas elas.

***

Lembro do primeiro televisor que tivemos. Não tinha cor, era preto e branco. As imagens eram atraentes, gostava muito de assistir aos desenhos, crianças não se importam tanto com os detalhes. No entanto, devo admitir que, depois de alguns anos, a televisão a cores mudou minhas concepções. A vida, colorida, tem outro valor. Enxergar as imagens em suas tonalidades originais é como se fosse parte de outro mundo, a diferença é abissal.
Depois que passei a conviver com a era do televisor a cores, prostrar-me frente a uma televisão preto e branco tornou-se uma árdua tarefa. Com o advento dos eletrodomésticos cada vez mais sofisticados, então, julgo que será cada vez mais complicado fazer isso.

***

- Faz um vídeo e manda para a televisão! - disse-me um cidadão.
- Tá aí o nosso futuro vereador! - bradou outro.
- Parabéns! - escutei de uma dezena de pessoas.
Mal sabem eles que, modestamente, seus adoráveis elogios não fizeram cócegas no meu ego. A tristeza, quando inventa de bater, dá com força. Não há lado para onde eu olhe, que não me faça lembrar de ter perdido o meu amor. Meu conceito de sofrimento sofreu uma drástica mutação em poucos dias.
É uma dor latente, que aperta o coração o tempo todo, deixando minha respiração pesada, difícil, ofegante. Claro que gostaria de me livrar disso, quem aqui é masoquista? Ah, mas se eu conseguisse, quão dadivoso seria...

***

A certa hora, cometi uma gafe imperdoável. Há um companheiro de modas de viola do qual eu gosto muito. Cantamos canções memoráveis em várias jantas e bebedeiras. Arrisco a dizer, inclusive, que ninguém nunca fez dupla comigo como o Paulinho.
Saudosista que sou, passei a pedir notícias do Paulinho para o seu irmão, o Zanga. Sinto a falta dele nessas festas, sinto-me órfão musicalmente falando. Em tom jocoso, cobrei dele a presença do meu parceiro. Nisso, percebi que dois caras faziam gestos de silêncio com o indicador em seus lábios, como se algo sério estivesse ocorrendo.
E, de fato, está. De canto de olho, vi o Zanga orientando os dois:

- Contem para ele. Ele não deve saber.

Paulinho está com um câncer sério, passou por uma cirurgia delicada e, segundo o que soube, as chances são poucas. Doeu ver os olhos do Zanga marejados, sei bem a dor que sentimos quando perdemos alguém, vivo ou morto.
Pergunto-me: por que morrem as pessoas boas? O que leva Deus a chamar aqueles que têm serventia, que fazem o bem, que são tão queridos por todos? Mais ainda: por que me conserva aqui, plantando infelicidade, frustrações e insucessos? Não é justo, não é mesmo. O Paulinho merece viver décadas, ainda tem muitas modas de viola para versar por aí. Leve a mim, que perdi o brilho, que sou carta fora do baralho, que não faço mais parte dos planos. Não há porque ficar por essas bandas, se meus sonhos ruíram.

***

É como a máxima do televisor. A vida está em preto e branco. A cor, a alegria, a vontade de seguir em frente, tudo isso vinha de ti. Sei que insisto demais, que espernear não é o melhor a fazer neste momento, não pense que as pessoas não me aconselham.
Aliás, minha postura causa estranheza, pois ninguém está acostumado a ver um Antônio cabisbaixo, desacreditado. Seja no trabalho, ou no futebol, sempre levo comigo a marca da descontração. Não, porém, sem meus sonhos mais felizes. Sem eles, não tenho cor.
As mulheres são sortudas, pois conseguem brilhar sem a sombra de seu par ideal. Os homens, contudo, são fracos, principalmente eu. Se me transformei num ícone da diversão, é porque tive teu respaldo, teu carinho, teus elogios. Sem isso, não tenho a mínima importância, não tenho função, nem razão de permanecer por aqui.
Classifiquem-me como exagerado, vão em frente, não me importo. Sem meu amor, sem o sentimento que passei quase uma década sentindo, não há porque continuar. A vida torna-se um retumbante NÃO, em maiúsculas, sem dó, nem piedade.
Segue teu caminho, curte teu fim de ano com os amigos, grupo do qual fui cuidadosamente excluído. Terei, certamente, o Natal mais amargo da história, e um reveillón com gosto de fel. Se admitir meus erros não adianta, vou usá-los então como moeda de auto-flagelação, porque não aguento viver desse jeito.
Ficar nessa vida descolorida, opaca, insossa, esse é o meu caminho, a menos que a sorte decida me enxergar novamente, os anjos conspirem a meu favor e Deus ilumine teu coração. Caso contrário, não há porquê, e disso resultará o meu fim.

Se existe o nosso fim, acredite, é o meu também. Para sempre.

Fique agora com o programa do Jô.

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